sábado, 6 de agosto de 2016

Éramos felizes e não sabíamos

Andar de bicicleta com as meninas do lado, mesmo quando a minha bicicleta encarnada ficou pequena e eu ia a correr atrás delas, a fazer de cão dos Cinco, a minha cadela Doberman chamada Fofa com as unhas pintadas de cor-de-rosa, as calças de ganga que cortámos com uma tesoura e andámos a raspar nas árvores para ficarem desfiadas, a ver se pareciam mesmo velhas e modernas, as mesmas que levávamos num saco quando íamos jantar a casa da minha avó e que só vestíamos à saída, escondidos lá em baixo, no vão das escadas, os dias de sueste, os únicos em que acordávamos cedo e íamos por ali abaixo, para a praia, armados com os colchões insufláveis, com um calor de morte as cigarras a cantar, o dia inteiro a galgar as ondas e a sermos puxados para a direita, o dia inteiro a caminhar para a esquerda, eles a esforçarem-se imenso contra a corrente e eu no fim da fila, de mão dada, a deixar-me ir a reboque, sair de barco e ficar embuxada de comer pão seco acompanhado de ovos cozidos, tal era a fome ao fim da tarde, depois do último banho na Ria de Alvor, o cheiro daquela primeira água da mangueira, a que ficava quente com o sol, quando tomávamos banho no quintal, deitar-me na cama à noite com a sensação que ainda estava a flutuar no mar. 


12 comentários:

  1. Respostas
    1. (tenho pena de não ter sido eu a escrever sobre o cheiro da primeira água da mangueira, é uma memória fortíssima)

      (vou acrescentar também um cheiro qualquer...)

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    2. Senti-o ontem, quando fui passar os fatos de banho por água :)

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    3. Eu sentia-o quando lavávamos os fatos de mergulho para lhes tirar o sal.

      E agora, quando me divirto a dar banho de mangueira aos meus sobrinhos.

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  2. Que memórias lindas :)
    Saudades...acrescentaria a ventania na ria de alvor, a maré a encher, os meus primos que não queriam vir embora pois ainda tinham muitas amêijoas por apanhar:)
    Os banhos de mangueira no quintal������ os melhores!! Ainda me lembro do sabor da água aborrachada. Tantas coisas boas.
    Ainda hoje a minha filha tentou fazer o mesmo enquanto enchíamos a piscina insuflável, mas a mangueira já não é amarelada e velhinha, não é a mesma coisa...
    Beijinho e boas férias!

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  3. Gostei do título, bem verdadeiro. Antes éramos mais felizes que hoje. ( vá também gostei do texto) ;)

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  4. Palmy,
    O seu post trouxe-me à memória as manhãs de praia enevoadas e brumosas de Espinho, de casaco vestido e toalha pelas costas, à espera de ver sair um sol envergonhado que nos permitisse dar uns mergulhos num mar picado a 15.ºC, que nos deixava roxos e congelados mas completamente derreados e a suspirar por tardes de preguiça, de papo para o ar a ouvir o vôo picado das moscas ou simplesmente a dormir sestas retemperadoras...
    Depois veio o Algarve.
    A partir de então só não havia casacos nem toalha pelas costas, os banhos eram mais do que muitos em água quente como caldo de galinha, mas as tardes de preguiça e sesta mantiveram-se.
    Saudades, muitas, da Meia-Praia, do Pinhão, da D. Ana e, mais tarde, da minha (ainda hoje) favorita - a Restinga, entre a Torralta e a Ria de Alvor.
    Ai, até dói, pensar nos Verões sem fim, nas noites de calor sem brisa, nas paixonetas de praia, nas amizades que se renovavam em cada mês de Agosto, nas reprises cinematográficas ao ar livre nos cines esplanadas de Portimão, ou no cinema do Hotel Alvor (vi lá, de entre outros, Violência e Paixão, Amadeus, O Império do Sol, Um dia nas Corridas dos gloriosos Irmãos Marx).
    E os livros que eu lia nesses verões - Konsalik, Robin Cook (seria assim? só me lembro de que era muuuuuito mau, assim um Dan Brown com mafiosos, muito sexo e droga q.b.) Eça aos 14 anos, toda a Lírica de Camões aos 15(!), Patinhas e Astérix, maior ecletismo não podia haver.
    E a música, caramba, a música que eu descobri e aprendi a gostar! - os Beattles todos, os Pink Floyd, os Shadows, os Stones, e os (ainda hoje absolutamente) incontornáveis Simon & Garfunkel e Leonard Cohen. Um concerto da Joan Baez no Pavilhão (Dramático?) de Cascais num Agosto muito quente.
    Ainda antes desses verões azuis, houve séries cujos nomes só de os lembrar me fazem chorar - Os Pequenos Vagabundos e Belle e Sebastien... O Verão Azul não me lembro de ver nem sequer quando passou na TV, já devia estar a brincar a ser adulta, a dedicar-me ao trabalho, à carreira, aos objectivos...
    É, fomos (muito) felizes.

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  5. Agora tenho água nojólhos...

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